Pra quem não sabe, eu sou matemático de formação. Eu sei, eu sei, você odiava matemática na escola. Eu também! Posso contar a história de como acabei nessa graduação em outro momento, mas matemática é muito mais do que só fazer contas. Então, para aqueles que estão cabreiros com isso, saibam que pegarei leve1. Neste texto vou introduzir um conceito matemático simples, mas ele é apenas uma ferramenta para entender um conceito um pouco mais amplo.
Magia é matemática, mas não de uma forma analítica ou dura e fria e nem de uma forma só ferramental com números e verdades absolutas. É um pouco mais complexo que isso.

Somando coisas
Todos nós estamos familiarizados com aritmética básica2:
Quando se tratam de números e somas básicas, é algo que a gente pode até não conseguir fazer de cabeça, mas é algo que não sai tão fácil da mente. É intuitivo porque é parte da nossa vida enumerar as coisas.
E se eu te dissesse que a expressão a seguir também é correta?
Ou talvez a seguinte expressão seja mais comum:
Essas expressões são válidas e corretas dependendo do espaço que estamos definindo elas. Respectivamente, estamos mostrando a aritmética modular3 entre números módulo 2 e números módulo 12. A segunda é mais conhecida porque é a aritmética que usamos nos relógios do dia a dia. 14 horas é 2 horas da tarde. 10 da manhã + 4 horas são duas da tarde.
Existe uma notação melhor pra descrever esses espaços que eu não coloquei de propósito nas operações. Se você tem metade da informação fica difícil interpretar certo de errado mesmo.
Bom, estamos entendidos na matemática? Não vou entrar em mais detalhes porque não quero assustar vocês. Então vamos pra magia.
Magia e Matemática
É muito fácil encontrar hoje em dia gente falando de magia4. Eu sei, sou mais um, mas me deixe dar uns dois dedos de prosa com vocês.
Existem inúmeras tradições e paradigmas diferentes, pra todos os gostos. Você pode se enveredar com deuses gregos, nórdicos, hindus. Você pode gostar muito de religiões de tradição abraâmica. Quem sabe uma vertente budista te encante? Ou talvez sua coisa seja religiões afro-brasileiras. Não importa. Todas essas formas de se conectar com o outro mundo são válidas. E funcionam.
Agora fica uma questão comum entre pessoas que estão começando e não tem muita certeza do que fazer. Qual a correta?5
Bom, a resposta curta é: todas6. A resposta longa talvez você tenha já pegado pela introdução.
Cada tradição tem seus entendimentos sobre o oculto e sobre como a jornada deve ser caminhada. Elas funcionam dentro de um contexto específico. É como se cada uma tivesse sua aritmética própria. Elas funcionam, mas tem certas regras pra funcionar. Talvez nem eu nem você temos conhecimento completo de quais regras são. Temos sinais de outras pessoas que já trabalharam com uma determinada tradição, mas é difícil compreender por completo.
Na matemática é similar. Você pode até não entender de onde vem esses números ou porquê somar as coisas funcionam. Me atrevo a ir mais longe, você pode até ser um engenheiro e não entender bulhufas de onde vem os cálculos que faz ou sequer o motivo que faz eles funcionarem. Max existe um conjunto de axiomas, lemas, teoremas e corolários que validam seu trabalho e validam que esses números se comportam de uma forma específica.
Pra mim, magia é igual matemática. E eu entendo que mesmo assim essa afirmação possa soar estranho. Magia é maleável, oculta, intangível. Matemática também é. Me conta aí quando que você viu um objeto bidimensional na rua. Quadrados? Triângulos? São abstrações que existem dado um conjunto de axiomas que são definidos por alguém, então não existem de forma tangível.
Agora pra parte que pode gerar polêmica.
Uma leve tangente caoísta
Enquanto eu pensava sobre esse texto, magia do caos volta e meia vinha à mente. Porque na magia do caos, tecnicamente você pode usar de qualquer sistema mágico desde que determine que está nesse conjunto de crenças. Faz sentido com o que conversamos até agora né? Se estamos inseridos num universo com regras próprias, elas devem funcionar.
Eu acho que eles acertam no contexto de que as coisas funcionam desde que você esteja inserido no paradigma, porém eles se perdem quando acreditam que tudo vem apenas da crença7. As regras tem um sentido pra existirem e eu considero válido testar o limite delas8. Porém ignorá-las é receita pra não ter resultados.
Magia difere de matemática num ponto crucial: o contexto humano9. Não é trivial absorver, por exemplo, uma tradição judaica sem o devido respeito ou a devida preparação. É até perigoso, por exemplo, usar de uma tradição que precisa de iniciações só porque você acredita que pode10.
E o que eu faço com isso?
Bom, o que você quiser?
Eu gosto de pensar em matemática como um jogo. Tem um conjunto de regras e você tem um problema pra resolver. Você usa dessas regras pra tentar resolver o problema, chegar a conclusões novas e experimentar os limites do que é possível em um sistema.
Paralelamente, magia é resolver problemas usando um sistema específico, com o devido respeito aos limites do sistema. Recriar e reinventar a própria vida com conceitos que alguns véio ao longo da história puseram num papel porque testaram e deram certo. E acima de tudo, reinventar o próprio sistema e suas regras experimentando suas fronteiras.
Pra quem tiver interesse, o exemplo real que eu gostaria de usar envolve alguns conceito de lógica matemática e teoria dos conjuntos. A matemática que a gente conhece está sistematizada e existe sob a regência de um conjunto te axiomas que fazem as coisas “funcionarem” por assim dizer. Esse conjunto de axiomas é popularmente conhecido como ZFC (Zermelo-Fraenkel com o axioma da escolha). Explicando de forma grosseira, ele definem a matemática como a gente conhece. Se a gente tira algum deles ou muda o sistema axiomático, a matemática muda, mas não por isso ela deixa de ser válida.
Assim espero……..
Lembra quando a gente fazia divisão e não tinham números depois da vírgula e sobrava um resto? Bons tempos. A operação de módulo é a operação que resulta no o resto da divisão inteira entre dois números. Então por exemplo: 2 dividido por 2 é 1 e o resto da divisão é 0 pois essa divisão é possível resultar em um número inteiro. De maneira análoga, 14 dividido por 12 (peguem papel e caneta) também é 1, mas sobram 2 de resto pois 14 - 12 x 1 = 2, então 2 é o resto da divisão inteira entre 14 e 12.
Witchtok que o diga.
Não vou entrar no mérito aqui de que esse tipo de pergunta talvez tenha origem da nossa criação cristã. A gente quer sempre saber qual é a coisa correta, a original. Não existe isso. É uma busca perigosa de se fazer, procurar qual é A Coisa Verdadeira Correta Que Apenas Eu Estou Fazendo Certo. Cuidado pra não cair nesse buraco.
Todas mais ou menos também. Muita coisa New Age ta meio equivocada sim e consegue ser razoavelmente fascista. Vamos se mancando um pouco também.
Sobre isso recomendo muito o texto d’O Zigurate sobre o papel da crença na magia.
Inclusive isso acontece bastante na matemática! É comum que físicos não se preocupem muito com formalismos e acabem usando coisas que não estão necessariamente demonstradas, mas que funcionam pra as contas deles. Com o tempo, matemáticos investigam esses usos pra ver se realmente “pode”.
E ainda assim nem tanto. Na história da matemática a gente atribui muitos teoremas clássicos à matemáticos europeus, mas a história da matemática é muito mais diversa.
Isso sem nem falar em como tem um nível de mentalidade colonizadora quando você absorve tradições que não são suas sem o devido respeito.